terça-feira, 24 de março de 2009

PRIMAVERA

Fotografia / sentidamente

(Porque é Primavera, porque as papoulas expontâneamente embelezam os campos, porque o amor vê maravilhas e porque Casário Verde é um mestre na arte de falar dessas e doutras coisas...)

DE TARDE

Naquele “pic-nic” de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.

Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão-de-bico
Um ramalhete rubro de papoulas.

Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós acampámos, inda o sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos,
E pão de ló molhado em malvasia.

Mas, todo púrpuro, a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas!

Cesário Verde

10 comentários:

  1. Pouco li de Cesário Verde, mas este poema lindo fez-me lembrar a 5ª-feira da Ascenção na minha aldeia,então havia sempre pic-nic, vieram-me momentos bons á ideia e aqui tem também para se lembrar:

    Eram saiotes e rendas
    Aos domingos bem engomados
    Tantos folhos, tantas emendas
    Mas na cintura apertados!

    Eram lábios cor de romã
    Meia de vidro, sapato alto
    Era uma a esperança ás vezes vã
    Dum beijo dado em sobressalto!

    Um beijinho e boa semana

    rosafogo

    ResponderEliminar
  2. Pois é! Belas lembranças! As tradições, embora sujeitas a mudanças, prolongaram-se no tempo. Quem sabe, talvez o pic-nic do Cesário Verde Tenha sido em 5ª Feira de Ascensão!
    Na minha terra não havia esse hábito. Mas quando estudei em Beja, assisti a um desses passeios pelo campo. Foi muito engraçado! Ainda guardo fotografias desse dia.
    Bem-haja Natália, pelas lembranças saborosas.
    Beijinhos

    ResponderEliminar
  3. Que fresquinho que é este poema! Gostei muito.
    A palavra "papoula" (durante muito tempo pensava que era papoila, o que sempre me soou mais natural) é uma daquelas que sugerem mistérios, vitais segredos vermelhos.
    Beijinho meu e da pestanuda Maria Papoula,
    a filha.

    ResponderEliminar
  4. Ainda bem que gostaste do poema. Pois é, filha! Pode ser papoula ou papoila. Só escrevi assim porque era como estava no livro donde copiei o poema. Quanto à tua bonequita de trapos, ela era mesmo “Maria Papoila”.
    Beijinhos

    ResponderEliminar
  5. Assim que li a primeira linha deste poema, Juja, disse para comigo, CESÁRIO VERDE...
    É!!!
    Eu, adoro Cesário Verde!
    Não sei se, porque o dei de "fio a pavio"...
    O certo é que fiquei deslumbrada com aquelas figuras de estilo que ele utilizava, só sei que gosto.
    Algumas palavras, já não se empregam sequer, daí que, retratem com toda a fidelidade a poesia escrita na altura.
    Nas comparações que ele faz, podemos quase adivinhar telas pintadas...
    bj. :))

    ResponderEliminar
  6. Teresinha!
    Foi pena Cesário Verde ter tido uma vida tão curta! Sabe-se lá o que nos teria deixado se tivesse vivido muito mais tempo! Consta que Fernando Pessoa tinha uma grande admiração pela poesia de Cesário.
    De facto, é como diz. Ele retrata tão fielmente a sua época que neste caso, eu imagino toda a cena numa aguarela, incluindo até o que ele não refere(os vestidos de tecidos leves e claros e as fitas dos chapéus, agitando-se ao sabor do vento).
    Um abraço.

    ResponderEliminar
  7. Lindo poema, adorei a foto das Papoilas, um beijo.

    ResponderEliminar
  8. Gostou das papoilas Maria José? São flores campestres de que gosto muito pela alegria e simplicidade que me sugerem. Essas são as únicas de que tenho fotografia, foi tirada na Nazaré já há uns tempos, no exterior dum edifício onde está instalado o museu. Gostaria mais de as fotografar num enorme campo vermelho a ondular ao vento, mas nunca tive oportunidade de o fazer.
    Um beijinho

    ResponderEliminar
  9. Este piquenique de burguesinhas é uma verdadeira delícia! Ele está repleto de aromas, paladares e cores! Depois, já que aquela burguesinha, singela e desenvolta, colheu o ramalhete rubro de papoulas e o colocou, sabiamente, entre os seios, o supremo encanto da merenda tornou-se óbvio!
    Este poema é uma tela, uma verdadeira aguarela, como nos diz logo o sujeito lírico!
    Foram já várias as vezes que, com os meus alunos, dramatizei este poema! E sempre com a graciosidade que o encanto das palavras o exigiam... Gosto muito de o ver aqui!

    ResponderEliminar
  10. A poesia é uma forma de expressão sublime, independentemente da época e do estilo em que se enquadre. Um belo poema resiste ao tempo, e simultaneamente leva-nos ao seu tempo. Achei um encanto essa ideia de dramatizar numa aula um poema! É de facto uma forma inteligente de fazer passar uma mensagem, despertando nos nossos jovens o interesse pela poesia!
    Um abraço

    ResponderEliminar