domingo, 27 de junho de 2010

BALANÇO

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Julian Schnabel - Portrait of. jacqueline, 1984 (pormenor)- Óleo, cerâmica e cola)
Colecção Berardo
Fotografia / Sentidamente

Tantas vezes me perdi sem labirinto.
Tantas outras, sem bússola me encontrei.
Tanto sim ouvi, nítido e distinto.
A morrer em não, porque os desgastei.

Confiei segredos, à tarde serena.
Devolveu-mos ela, espalhados no vento.
Fui regato fresco, cantando em avena
e fui leito seco, em caminhar lento.
Soprei mil pétalas em imaginário rosto,
desejando manhãs sem madrugadas.
Afastei as sombras rubras ao sol posto
e amei noites, de estrelas pontilhadas.
Carreguei sobre os ombros tanto peso!
Sucumbi aos arranhões de tanta garra!
Mas alcandorei castelos, inventei defeso.
Teci loucos sonhos de beleza rara…

Lutas que perdi… guerras que ganhei,
são ela por ela, igual o resultado.

Prende-me à vida, aquilo que não sei.
Esperança, num amanhã ignorado.

Jesus Varela


domingo, 20 de junho de 2010

NA PENUMBRA DA PARTIDA

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Fotografia / Semtidamente

Declaraçao

Não, não há morte.
Nem esta pedra é morta,
Nem morto está o fruto que tombou:
Dá-lhes vida o abraço dos meus dedos,
Respiram na cadência do meu sangue,
Do bafo que os tocou.
Também um dia, quando esta mão secar,
Na memória doutra mão perdurará,
Como a boca guardará caladamente
O sabor das bocas que beijou.

José Saramago

quinta-feira, 10 de junho de 2010

DESENCONTROS DE AMOR

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Fotografia / Setidamente

Colhi-vos para mim, molho de lírios!
Sentis, com que infinito carinho
vos transporto nos meus braços?

Chorais! Ou são gotas de orvalho?
Porque murchais, junto ao meu coração?
Suspirais pelo vazio do vosso chão?

Mas vede: não é por mal que o faço!
Só por amor vos carrego.
Não sentis o meu abraço?

Jesus Varela

sábado, 5 de junho de 2010

QUIMERA

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Fotografia / Sentidamente

Eu quis um violino no telhado
e uma arara exótica no banho.
Eu quis uma toalha de brocado
e um pavão real do meu tamanho.
Eu quis todos os cheiros do pecado
e toda a santidade que não tenho.
Eu quis uma pintura aos pés da cama
infinita de azul e perspectiva.
Eu quis ouvir a história de Mira Burana
na hora da orgia prometida.
Eu quis uma opulência de sultana
e a miséria amarga da mendiga.
Eu quis um vinho feito de medronho
de veneno, de beijos, de suspiros.
Eu quis a morte de viver dum sonho
eu quis a sorte de morrer dum tiro.
Eu quis chorar por ti durante o sono
eu quis ao acordar fugir contigo.
Mas tudo o que é excessivo é muito pouco.
Por isso fiquei só, com o meu corpo


Rosa Lobato de Faria