sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

EM NOME DE UMA AMIZADE QUE ATRAVESSOU O TEMPO...

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Fotografias/ Sentidamente (Tomar, Convento de Cristo)

(Dedico a publicação de hoje à minha querida amiga Luisinha)

AURORA BOREAL

Tenho quarenta janelas
nas paredes do meu quarto.
Sem vidros nem bambinelas
posso ver através delas
o mundo em que me reparto.
Por uma entra a luz do Sol,
por outra a luz do luar,
por outra a luz das estrelas
que andam no céu a rolar.
Por esta entra a Via Láctea
como um vapor de algodão,
por aquela a luz dos homens,
pela outra a escuridão.
Pela maior entra o espanto,
pela menor a certeza,
pela da frente a beleza
que inunda de canto a canto.
Pela quadrada entra a esperança
de quatro lados iguais,
quatro arestas, quatro vértices,
quatro pontos cardeais.
Pela redonda entra o sonho,
que as vigias são redondas,
e o sonho afaga e embala
à semelhança das ondas.
Por além entra a tristeza,
por aquela entra a saudade,
e o desejo, e a humildade,
e o silêncio, e a surpresa,
o amor dos homens, e o tédio,
e o medo, e a melancolia,
e essa fome sem remédio
a que se chama poesia,
e a inocência, e a bondade,
e a dor própria, e a dor alheia,
e a paixão que se incendeia,
e a viuvez, e a piedade,
e o grande pássaro branco,
e o grande pássaro negro
que se olham obliquamente,
arrepiados de medo,
todos os risos e choros,
todas as fomes e sedes,
tudo alonga a sua sombra
nas minhas quatro paredes.

Oh janelas do meu quarto,
quem vos pudesse rasgar!
Com tanta janela aberta
falta-me a luz e o ar.
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António Gedeão

domingo, 24 de janeiro de 2010

JARDIM DE INVERNO

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Fotografias/sentidamente

Hoje, dia de chuvas e de ventos,
há pânico total neste jardim…
Flores, se perfeitas noutros tempos,
são agora farrapos de cetim.
As aves silenciaram o cantar
numa inexistência simulada.
Escondidas, não se atrevem a voar,
em gesto de prudência adivinhada.

Pequenos seres estão escondidos,
presenças não vistas mas sabidas.
Num utilizar arguto dos sentidos,
preservam no seguro as suas vidas.
Nos empedrados, folhas amarelas,
correm danças tristes e forçadas.
Brilham nalguns ramos, como velas,
gotas de chuva, à luz alumiadas.

Corre um ondular descendente,
no lago, habitualmente tão parado.
Marginais juncos, abanam docemente,
num murmurar triste e desolado.
Altas folhagens tremem alterosas.
Ou protestam sussurros plangentes.
São longas conversas lamentosas,
ora iradas, ora calmas e dolentes.

O sol não brilha mas algo é luminoso,
nesta hora subtil de fim de dia.
Emprestando um fascínio poderoso,
faz do simples e natural, pura magia.
Fico suspensa, receosa, deliciada…
Num confundido mas real enlevo.
Indecisa, sinto-me se partir, culpada,
pelo encanto que quebro, mas não devo
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terça-feira, 19 de janeiro de 2010

PERDIDA NO TEMPO

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Fotografia / Sentidamente

Fico na manhã, entre o tudo e o nada,
entre o amargo do ser e o doce do sonhar!
Como fiquei, ao alvorecer da madrugada,
suspensa, entre o esquecer e o lembrar!
Partiram as estrelas, longínquas sentinelas!
Acorda a natureza, num dia abençoado!
E mesmo ali, debaixo das janelas,
cheira doce, o rosmaninho orvalhado!
Se fui com a noite, regresso com o dia,
duma jornada, a retornar sem fim.
Perturbada, entre a tristeza e alegria,
agradada, do cheiro da rosa e do jasmim…
Dicotomia, neste viver, sempre dividida!
Num protelar constante do sentir.
Como folha, avanço nesta vida,
empurrada por ventos de ir e vir.
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sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

MEMÓRIAS

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Fotografias / Sentidamente

ADEUS A UMA AMIGA
(à Hortense Madeira)

Um dia, foste vida, foste cor!
Sonhaste, viveste, sofreste e choraste!
Deste filhos ao mundo, foste amor!
Quantos e quantos sonhos embalaste!
Foste jovem, bonita, esperançosa!
Pelos teus braços, construíste a vida!
Sempre tiveste o encanto duma rosa.
Semeavas a bondade e eras querida!
Tudo passou, só restam raízes agora,
A segurar as árvores dos teus frutos…
Mas não ficaste… Chegou a tua hora!
Partiste! E aqui, deixaste lutos.
O tempo, sempre, sempre continua!
a ondular as águas do teu Tejo.
O barco que te trazia, ainda flutua.
Continua lá! Ainda o vejo!
Tu não vens nele, não mais virás!
O “ai” da tua vida já passou.
São outros os reinos onde andarás.
De ti, só a saudade nos restou!
No cais, onde fiquei e sempre fico,
quando alguém parte sem adeus,
talvez sejam cinzas tuas, o que sinto,
insistentes, a marejar os olhos meus.
Cinzas! O que do teu corpo sobrou
e sobre esta nossa terra existe ainda.
Para além, duma doce lembrança que restou,
da pessoa que foste!... E eras linda!

domingo, 10 de janeiro de 2010

DESÂNIMO - (O momento passou… Ficou o registo).

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Fotografias / Sentidamente

CAUSA PERDIDA

Já nada tem importância!
Os projectos acabaram.
Só muito longe, à distância,
as recordações ficaram.
Não vale a pena investir!
O futuro é uma marcha,
num crepúsculo a cair,
em vereda que se não acha.
Nuvem, ou manto caído,
escuro como um tornado.
Caminhada num sentido,
que só leva ao “outro” lado.

Para dar a quem precisa,
de meu, já não tenho nada.
Sou uma mancha imprecisa,
em paisagem inacabada.
Sou uma árvore ressequida,
pelos raios da trovoada.
Sou terra que não produz,
de pedregulhos semeada.
Sou um deserto sem luz.
uma quimera queimada.
Sou madeira quase ardida,
em cinzas, nesta fogueira.
Sou carvão que já foi vida,
em negrume de carvoeira.
Sou uma tão triste valsa,
que não se ousa dançar.
Sou despojos de barcaça,
afundada em alto mar.
Sou a boneca esquecida,
numa longa brincadeira.
Sou Outono duma vida.

Sem a esperança derradeira,
sou vontade que apodrece.

Indiferente ao desespero:
sou ar que não me apetece,
sou vida que já não quero.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

VOLTO SEMPRE AQUI

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Fotografias / Sentidamente

Uma e outra vez, volto sempre aqui!
Saudosa, do que foi e não guardei.
Procurando encontrar, porque perdi,
o longínquo tempo, que por cá deixei…

Na aridez, no ar puro, no vento irado,
por entre imaginada seara a ondular,
vislumbro, entes queridos do passado,
que sempre, aqui venho visitar!

Visita vã! Quem mos prometesse mentiria!
Só eu resto! Corpo e alma a definhar.
Morrendo um pouco em cada dia,
como falésia, descendo até ao mar…