domingo, 28 de junho de 2009

COLEGIAL

. Fotografia / Sentidamebte

Em cima da minha mesa,
Da minha mesa de estudo,
Mesa da minha tristeza
Em que, de noite e de dia,
Rasgo as folhas, leio tudo
Destes livros em que estudo,
E me estudo
(Eu já me estudo…)
E me estudo,
A mim,
Também,
Em cima da minha mesa,
Tenho o teu retrato, Mãe!

À cabeceira do leito,
Dentro dum lindo caixilho,
Tenho uma Nossa Senhora
Que venero a toda a hora…
Ai minha Nossa Senhora
Que se parece contigo,
E que tem, ao peito,
Um filho
(O que ainda é mais estranho)
Que se parece comigo,
Num retratinho,
Que tenho,
De menino pequenino…!

No fundo da minha mala,
Mesmo lá no fundo, a um canto,
Não lhe vá tocar alguém,
(Quem as lesse, o que entendia?
Só riria
Do que nos comove a nós…)
Já tenho três maços, Mãe,
Das cartas que tu me escreves
Desde que saí de casa…
Três maços – e nada leves! –
Atados com um retrós…

Se não fora eu ter-te assim,
A toda a hora,
Sempre à beirinha de mim,
(Sei agora
Que isto da gente ser grande
Não é como se nos pinta…)
Mãe!, já teria morrido,
Ou já teria fugido,
Ou já teria bebido
Algum tinteiro de tinta!

José Régio

sábado, 20 de junho de 2009

QUERO...

. Fotografia / Sentidamente
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Quero continuar a ver as andorinhas
Construindo os seus ninhos nos beirais.
Quero seguir o voo das libelinhas
Rasando a água em sábios rituais.

Quero inalar a fragrância do pinhal,
De pólen e resina em cruzamento.
Quero, no furor do temporal,
Ouvir receosa, o sibilar do vento.

Quero admirar as flores silvestres,
Coloridas e singelas, ao sol a brilhar.
Quero cantar a natureza e suas vestes,
Numa canção, criada só para a louvar.

Quero sentir o sal do mar, em gritaria,
Fustigando o meu rosto entumecido.
Quero a brisa fresca, cheirando a maresia,
Tomando-me num assalto desmedido.

Quero pisar a macieza da areia.
Molhada e lisa, virgem de pegadas.
Quero tecer uma longa e fina teia,
Com a espuma das ondas rebentadas.

Quero, admirar a solitária planura,
Semeada com um ou outro monte.
Quero, filha pródiga, com ternura,
Perder o meu olhar no horizonte.
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Quero saber amar os que a meu lado,
A vida se encarregou de reunir.
Quero, dando vez ao meu passado,
Recordá-lo com carinho e a sorrir.

Quero muito, para sempre sentir,
O enlevo, a emoção, a fantasia.
Quero, sem recear o que há-de vir,
Viver o passar do dia a dia.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

NÃO QUERO

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Fotografia / Sentidamente

Não quero ter saudades e chorar.

Não quero que a lágrima corra.

Não quero sentir o peito a apertar.

Não quero que a esperança morra.

Não quero a recusa do andar.

Não quero chorar a mocidade.

Não quero ser impedida de pensar.

Não quero parar pela idade.

Não quero deixar de sonhar.

Não quero o silêncio dos claustros.

Não quero o frio das lousas ao luar.

Não quero a ruína dos castros.

Não quero a solidão das estrelas.

Não quero o escuro do infinito.

Não quero o inútil das coisas belas.

Não quero o falso brilho do bonito.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

MALDADE


Fotografia / Sentidamente

Maldade! É o partir dos entes queridos,
Deixando o passado a acenar no cais.
É a saudade de lembrar os tempos idos.
É a angústia de haver um nunca mais!

Maldade! É o doer demais o coração,
Ao lembrar amores que estão perdidos.
É sentir nos nossos sítios de eleição,
A tristeza de lugares não preenchidos!

Maldade! É o vazio da sonora gargalhada,
É a ausência amarga do ombro acolhedor.
É o ter acabado a vivência partilhada.
É não haver remédio pra tamanha dor!

Maldade! É a longa e solitária caminhada,
De quem restou saudoso da partida.
Maldade! É esta lei, sina malograda,
De ir dizendo adeus a quem perdeu a vida!

domingo, 7 de junho de 2009

FLORES PARA UMA AMIGA

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fotografias/Sentidamente

Hoje apagou-se uma luz que frequentemente vinha iluminar este cantinho com a sua serena presença. Nunca a conheci pessoalmente mas pelos comentários que deixava nos vários blogs, fui percebendo a grandeza da sua generosidade, parecia-me muito sofrida. Afeiçoei-me a ela ...
Visitou-me pela última vez no dia 03/06/09.
Ao saber que partiu, o meu coração apertou-se e os meus olhos humedeceram...

Um sentido adeus Maria José Senos

VOZES DE AGORA

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Fotografias / Sentidamente
As Horas

Os hebreus dizem: a hora do pombo
é o princípio do dia
a hora do corvo
o princípio da noite.
Eu digo: como se gastou a minha,
luz tão cedo.
É quase sol posto.

Quem Pudesse

Quem pudesse ensinar à criança
a activar a alvorada
a acordar com o canto dos galos
a banhar-se nos rios
a brincar com os cardumes
a beber água da fonte
a platar árvores
e a retardar o poente.
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António da Silva Marreiros
(A Voz do Vento/ Edições Colibri)

terça-feira, 2 de junho de 2009

POESIA

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Fotografias / Sentidamente

“Nunca se definiu, nem definirá poesia. A poesia é, vive ou paira, existe ou não existe. E acompanha a vida. É talvez um acréscimo de vida como toda a arte. Uma maneira íntima de adivinhar as coisas, de fundir o ritmo do mundo com o ritmo da nossa alma, uma pura e estranha intuição da verdade.

A Poesia é uma; as poesias essas são muitas, variáveis como a moda, sujeitas ao sabor do momento e ao gosto dos homens.

Não tem motivos. Todo o mundo é poético quando visto em verdade. Todas as coisas são maravilhosas quando as compreendemos. E a poesia limita-se afinal a iluminar a verdade, a beleza secreta que há em tudo aquilo que existe.

A poesia, a verdadeira poesia, é assim como que o maravilhamento natural dum ser que se abriu, e se tornou vidente. E a sua forma surgiu como um cântico, um hino, uma revelação súbita, extraordinária e incrível. (…)”

Francisco de Sousa Tavares

(Posfácio do livro “Antologia – Mar” de Sofhia de Mello Breyner Andresen