sábado, 28 de março de 2009

SURPRESA !!!

Fotografia / sentidamente

( A postagem de hoje é dedicada à minha filha)


Maria Papoila

Na tentativa de dar alguma organização ao sótão cá de casa, lugar onde ao longo dos anos se vêm despejando as coisas inúteis, ao abrir uma caixa poeirenta, surge a velha “Maria Papoila”, olhando-me inquiridora, com seus olhos e boca bordados, como que, numa interrogação muda e numa censura sobre tantos anos de clausura.

Fiquei com a boneca de trapos na mão e foi um trecho do passado que voltou. Uma menininha, os seus olhos muito abertos e sorridentes, abraçando com força e levando consigo, para o infantário, naquele dia de anos a boneca e um saquinho de pano a condizer, que tivera como presentes…

Associadas, surgiram imagens dos tempos difíceis que esses foram. Anos de desemprego, de sacrifícios, de trabalho acrescido, mas cheios de esperança em dias melhores, porque plenos de risos sonoros, de gargalhadas e protestos infantis que enchiam o ar…Tempos em que a prenda de anos foi feita em casa para não se gastar o dinheiro que escasseava!

Uma lágrima escorreu e caiu sobre a “Maria Papoila” símbolo esquecido numa esquina do tempo, agora reencontrado, trazendo consigo um pouco daquilo que já foi…!


terça-feira, 24 de março de 2009

PRIMAVERA

Fotografia / sentidamente

(Porque é Primavera, porque as papoulas expontâneamente embelezam os campos, porque o amor vê maravilhas e porque Casário Verde é um mestre na arte de falar dessas e doutras coisas...)

DE TARDE

Naquele “pic-nic” de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.

Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão-de-bico
Um ramalhete rubro de papoulas.

Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós acampámos, inda o sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos,
E pão de ló molhado em malvasia.

Mas, todo púrpuro, a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas!

Cesário Verde

domingo, 22 de março de 2009

SEPARAÇÃO

Fotografia / sentidamente

Soneto da Separação

DE REPENTE do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente
Fez-se do triste o que se fez amante
E do sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

Vinicius de Moraes

quinta-feira, 19 de março de 2009

O MEU PAI

Postal de correio – (pertencia ao meu pai. a data de 1840 foi escrita por ele e não sei o que significa) - Convento, além das ruinas, era também uma quinta onde residimos

Recordando o meu pai

Adoçaste com carinho a minha infância,
Fragilidade que embalaste nos joelhos.
Quer estivesses presente, ou à distância,
Seguia cegamente, os teus conselhos.

Acordaste, à luz do meu serão de estudo,
(Às voltas, com as regras da multiplicação).
E do teu pouco saber, deste-me tudo,
E eu senti o conforto, da tua protecção.

Depois mulher, não me impuseste caminhos.
Mesmo, os que para mim, tinhas sonhado.
Respondeste, à minha teimosia com carinhos,
Aceitando, o que escolhera, conformado.

Lembro que me abraçaste a chorar.
O teu abraço, transmitindo-me alento.
Demonstravas aceitar o meu gostar.
Cúmplice, eternizaste esse momento.

Depois, sei que sofreste quando parti.
Vi-te sorrir tristonho, à despedida.
A ternura dos teus olhos, não esqueci.
Imagem que conservei para toda a vida!

Ficaste no lugar que sempre te guardou,
A tua sombra, foi a minha protecção.
Agua pura, que me dessedentou.
Cais onde abrigava, a minha aflição.

O mesmo sorriso ansioso, em cada regressar.
Em despedida, o marejado olhar, quando partia.
A certeza de lá estares, para me encontrar.
A certeza, de que era meu, o quanto te pedia.

Triste o dia, desse encontro angustiado,
Em que te achei hirto, indiferente, esquecido!
Perdi-te… Mas em mim, ficou gravado,
Para sempre, o teu amor, meu pai querido
.

domingo, 15 de março de 2009

LEMBRANÇAS

Fotografia /sentidamente


Rosa seca nas folhas dum livro

Duma rosa, encontrei restos dispersos,
Reduzida a pó, frágil matéria orgânica!
Mão carinhosa, em intenção romântica,
Guardou-a, num velho livro de versos.

Rosa esquecida, em lembrança guardada!
Momento preso, em página de livro!
Nada nem ninguém, faz do tempo, cativo.
E sobrou dessa rosa, pouco mais que nada.

Quando à roseira mãe, a foram arrancar,
Exalava fragrância intensa e bela?
Era vermelha, branca ou amarela?
Em botão, aberta, ou quase a desfolhar?

E de que momento guardou segredo?
Alegre, triste, terno, ou de saudade?
Com ela, se escondeu toda a verdade
E hoje, o descobri-la me dá medo!

Nada sei, sobre o valor de tal achado.
Mas foi vida, exuberância, aroma e cor.
Significou emoção, ternura, talvez amor.
Tesouro perdido, para sempre, no passado
!

quinta-feira, 12 de março de 2009

PRECE

Foografia/sentidamente - Escultura em Terracota de Antonieta Roque Gameiro - Museu João Mário em Alenquer


MISERERE

Perdoai-me Senhor!
Perdoai-me, que eu não sabia…

No meu palácio
Batido por todos os mares de coral!
Encastoada de espumas,
e rendas,
e européis,
coberta de cetim e de anéis,
no meu palácio de ilusão
onde cantam sereias pela noite dentro,
Senhor!
eu não sabia nada…

Foi preciso que o céu se cobrisse
de nuvens negras,
e a tempestade sacudisse
a solidão dos meus salões,
para que eu, transida de medo
descesse aos subterrâneos do meu palácio,
em busca de protecção
e calor…

E nos subterrâneos…
só encontrei dor maior que a minha…
medo maior que o meu…
e loucuras,
e suor,
e fome,
e ódio frio,
e revolta surda,
e o cheiro putrefacto dos corpos
Que trouxe a maresia…

Ah! perdoai-me Senhor!
Perdoai-me…
que eu não sabia.

Março de 1949
Alda Lara

terça-feira, 10 de março de 2009

ALENTEJO

Fotografia/sentidamente - vegetação nas arribas de Porto Covo


Hoje, dedico este poema às minhas amigas do Alentejo ou que lá residem. Foi escrito no Porto Covo em 2006

Alentejo

Minha terra, oh Alentejo!
Tempo e espaço que venero.
Deixei-te no meu caminho.
Mas quando regresso, vejo,
Ser aquilo que mais quero,
Acabar nesse cantinho.

Sentada à beira do mar,
Ouço a brisa num lamento.
- Que ausência tão prolongada!
E o constante marulhar,
Em persistente cumprimento,
Celebra a minha chegada.

As ondas em dança louca,
Aos meus pés, vêm morrer,
Em espuma, num arrendado.
Ao sentir o sal na boca,
Porque choro, não vou saber,
Donde veio esse salgado.

Sons gratos me vão chegando:
Para o cais, a regressar,
Roncam barcos a vapor.
Gaivotas, passam gritando.
De crianças a brincar,
Vem lá de longe, o rumor.

Se voltar costas ao mar
E caminhar pro interior,
Saudosa de planura.
O quanto abrange o olhar,
Tudo secou ao calor,
Na terra gretada e dura.

Mas quando o sol a doirou,
Em laivos de luz e cor,
Deu-lhe beleza tão pura!
Para mim, o tempo parou.
Nostálgica, suspendo a dor,
Numa onda de ternura.

domingo, 8 de março de 2009

SER POETA


Fotografia / sentidamente

Ser poeta

Ser poeta, não é ter coragem, mas tirar forças às fraquezas,
Para cantar e chorar, incompreendidas alegrias e tristezas.

É ter a sua verdade. Não mentir, quando parece que mente.
Ambiguidade de esconder e contar o que em seu íntimo sente.

É viver na confusão dum mundo, por outros construído.
Senti-lo como estranho, enganoso e falho de sentido.

É conseguir ver uma ave a riscar o céu numa noite de breu.
Mas… tendo consciência de que o real é… e não é seu.

É o arrancar dum soluço encravado numa gargalhada.
É fazer do nada tudo e reduzir o tudo ao nada.

É a angústia de sentir sobre si, os males do mundo a doer,
Mas impotente, na complexa singularidade dum só ser.

É vergar as costas, ao doloroso peso de todos os medos
E levantar o rosto, imbuído no orgulho dos segredos.

Ser poeta é um ser comum, usando o dom da comunicação,
Para lançar ao vento e semear no espaço, a sua confusão.

Cantando a dor, o sonho, a alegria, a esperança e a vaidade,
Escuda as suas mágoas, na procura de intemporalidade.


sábado, 7 de março de 2009

O MAR

Fotografia / sentidamente / Porto Covo

Mar!

E é um aberto poema que ressoa
No búzio do areal...
Ah!, quem pudesse ouvi-lo sem mais versos!
Assim puro,
Assim azul,
Assim salgado...
Milagre horizontal
Universal,
Numa palavra só realizado.

Miguel Torga