sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

TEMPO

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Fotografias / Sentidamente
Marcha impenetrável, escoar lento,
passando por cada qual!...
Abstracção, que momento a momento,
flui, em torrente sempre igual!...

Simbólico é este dia!
Na ilusão dos homens,
apoderaram-se do tempo…
E à noite, estala nos céus,
o seu festejar,
mais um ano,
que fizeram chegar!...

Ano Novo que nada inicia…
A corrente imparável, continua,
E sempre da mesma forma!...
Uns caem, envoltos em sonhos ardidos,
outros, nascem na esperança!

O tempo, indiferente, caminha
por entre, desagraves e temperança…

Jesus Varela

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

NATAL

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Fotografia / Sentidamente

Natal é sinceridade, postura, atitude!
É interior, crença, oração, sentir.
Naturalmente, sem pretender virtude.
É um estar onde é preciso, humilde, a sorrir.
É sempre viver de dentro para fora.
É estar pronto e disponível para amar.
É ser inteiramente vigilante, hora a hora,
Para reconhecê-lo quando chegar!...

Não é das luzes o encanto chamativo,
Nem dos coloridos, o deslumbramento,
Nem das compras em frenético afã,
De quem colhe para si este momento,
Esquecendo por completo o amanhã.

É o natural e nunca é o fabricado!
É a presença de corpo e coração!
É o estar lá, no momento esperado!
É o encontro! A troca! A comunhão!

Presépio… Família… Calor… Carinho.
Para ser Natal, é parte do caminho!

Jesus Varela

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

TEMPESTADE

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Fotografia/Sentidamente

Todo o dia o temporal,
Rugiu em fúria incontida
E numa cadência incerta.

Soprou forte o vendaval.
Água da chuva caída,
Varreu a terra deserta.

Instalou-se a trovoada,
Entre o raio que incendeia
E o ribombar do trovão.

A Terra treme assustada.
Como se perdida em teia,
Procura saída em vão.

As árvores a baloiçar,
Empurradas pelo vento,
Abanam de lado a lado.

E em constante soluçar,
Deixam escapar um lamento.
De sofrer descontrolado.

A vegetação rasteira,
Que o vento teima açoitar
E a água quer engolir.

Numa luta derradeira,
Não pára de ondular,
Parece que vai fugir.
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Os animais escondidos,
Em abrigo seco e seguro,
A coberto da tempestade.

Vão aguçando os sentidos,
Pois no seu labutar duro,
Ganharam sagacidade.

É a natureza a mostrar
Onde chega o seu poder
De criar e destruir.

O homem fica a olhar,
Pouco mais pode fazer.
É esperar o que há-de vir.

Jesus Varela

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

VERSO / REVERSO

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Fotografias / Sentidamente

Talvez! Este seja um dia último!
A paz venha fechar olhos cansados.
Paralisar dedos à ternura.
Marmorizar rostos aos sorrisos.
A matéria volte a ser pó,
E a terra mistura renovada.
O escuro, domínio de quadrantes.
E o tudo de repente seja nada,
Findo o individualismo solitário,
Da curta dimensão humana…

No espectro longo do tempo…
Contínuos ciclos se renovam!

O mar continua a estar ali.
As ondas desfazem-se na praia.
O vento sussurra nas palmeiras.
A roseira brava perfuma o ar.
O canto das cigarras amortalha a tarde.
A lua derrama pela terra,
O fantástico mistério da noite.
O galo saúda a claridade ao amanhecer…

Todos os dias nasce uma criança
E tudo começa de novo.

Jesus Varela

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

SE UM DIA MANDASSE NAS ESCOLAS...

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Fotografias / Sentidamente

Sabem coisas difíceis os meninos:
sabem ler, escrever,
somar, diminuir, multiplicar.
Não faltam professores
que ensinam muitas coisas aos meninos.

Mas se um dia eu mandasse nas Escolas,
teriam de aprender, antes de mais,
a rir, a amar as flores,
e a abrir de par em par
as portas das gaiolas.

Fernanda de Castro

terça-feira, 16 de novembro de 2010

CRIANÇA

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Fotografia / Sentidamente

Sol de criança!
Brilha… aquece… ilumina,
essa tua vida de brincadeira!
De faz de conta! Mas que te ensina!

Amor de criança!
Dádiva plena e pura!
Carinho expresso num abraço,
todo ternura!...

Inocência de criança!
Pureza cristalina!
Crença segura e incondicional.
Grandeza…” pequenina”!...

Protecção de criança!
Missão sagrada!
Dívida contraída, honra empenhada!
Quantas vezes esquecida e descurada!

Jesus Varela

sábado, 6 de novembro de 2010

CINZAS VIVAS

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Fotografias / Sentidamente
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O barco mais velho!
Longe do mar conquistado,
vencedor e vencido, hoje abandonado…

A casa mais vazia!
Eco de risadas no tempo esvanecidas.
Solidão incrustada nas paredes feridas…

A noite mais escura!
Tardia de luares, ausente de estrelas.
Perdidos amores, nas horas mais belas…

A rua mais sombria!
Húmida de musgos escorregadios.
Empedrados prenhes de vazios…

O poema mais triste!
Expressão do vácuo sem sentido.
“O ausente” nas palavras revestido.

Mas... Nada ensombra a luz do dia!
Quando o sorriso teima em brotar
das cinzas ressequidas, ainda a germinar…

Jesus Varela

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

A ROSA...

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Fotografia / Sentidamente

COM “O PRINCIPEZINHO”

Como o sorriso do coração não se vê,
pede aos lábios que o façam.
Pede às mãos que o mostrem…
Pede ao brilho dos olhos que o iluminem.
E usa palavras e gestos abundantemente…

É preciso não esconder o riso do coração!
É preciso mostrá-lo.
Semear e colher outros sorrisos…

É preciso não esquecer que:
O tempo da rosa,
É o tempo com a rosa,
É o tempo pela rosa.

Jesus Varela

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Surgiu-me um dia, como comentário, a uma amiga.“AGORA” senti uma enorme necessidade de vos transmitir.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

BALADA DE OUTONO

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Fotografias / Sentidamente
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O sol, no céu, brilhante,
Já derreteu a geada.
Amainando o frio cortante
Que desceu à madrugada.

Caídas das árvores nuas,
E em sono, ausentes de vida.
Folhas atapetam as ruas.
Qual paleta colorida.

Nos castanhos e amarelos,
A luz incide o seu brilho.
Por entre ramos singelos,
Raios solares abrem trilho.

Não há pássaros a chilrear,
Numa nota de alegria.
Não corta o céu a voar,
Qualquer ave, neste dia.

Ao silêncio da natureza,
Sobrepõe-se o mais soar.
É um homem, de certeza.
Lá muito ao longe, a falar.

E nesta beleza calma,
Carregada de nostalgia,
Eleva-se a minha alma
Em doce e triste sintonia.

Jesus Varela

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

A UMA PARTIDA PRECOCE

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Fotografia / Sentidamente

Tristes choram os olhos,
muitas vezes sem se ver!

Ao tamanho de todas as dores
secaram lágrimas,
congelaram choros,
nas profundezas do ser…
Reino de enraizados afectos,
vivos ou ausentes,
sempre presenças…

E impõe-se a pergunta:
Dono da vida quem é?
Até onde chega o viver?

Certeza, só a alma humana…
Rochedo numa ilha solitária,
aonde vão batendo as intempéries…

Jesus Varela
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(Se nos liga uma grande amizade, sentimos as dores dos amigos. Assim senti e expressei, há alguns meses, quando uma família muito querida, perdeu um dos seus jovens).

terça-feira, 5 de outubro de 2010

MUNDOS DE POESIA

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(Homenagem da poetisa ao poeta, autor do desenho, uma ilustração feita para este poema)


CANÇÃO

Ó Poeta
deixa que tua alma seja transparente
como a luz da madrugada.
Nunca deixes afogar tua alma no pensamento,
é assim a tua estrada,
Íngreme, feita de escamas de vento!

Ó Poeta
deixa que tua alma vá p'lo espaço,
o espaço é pequeno, em tanta pequenez,
e se algum dia a sentires desfalecer
pega-lhe no braço.
Ela é feita de NADA e o NADA não tem fim !

Ó Poeta
vai tu próprio pela lama
suja-te na podridão da existência
faz da vida a tua cama e não durmas,
pergunta-te à consciência.

Foste íntegro, espalhaste tua alma pelo Mundo ?
andaste no mar ?
venceste marés ?
Morre o teu lugar não é aqui!
é lá no Além ... ao fundo
no INFINITO
onde poderás ser quem és,
BEMDITO !

............E para os vermes terrenos,
que de ti se riram tanto ...
serás Santo.

Sandra Zelly
13/2/1962.
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(Sandra Zelly é uma amiga. É autora de poemas lindos mas nunca os deu a conhecer publicamente. Tenho a honra de nesta janela divulgar alguns, com a permissão dela. Digam lá se não é uma pena permanecerem na penumbra duma gaveta?).

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

DÚVIDAS

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Fotografias / Sentidamente

(Quando nos mares da minha intranquilidade se espelham as dúvidas)

ODORES
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A brisa e o vento,
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sul ou norte…

Já não sei se me trazem,

o odor solitário,

ao entardecer,

dum craveiro molhado,

ou o lamento

duma andorinha morta.

Jesus Varela

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domingo, 19 de setembro de 2010

DE QUEM É ESTA BRIGA (?)

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Fotografias / Sentidamente

Afirmas que brigámos. Que foi grave.
Que o que dissemos já não tem perdão.
Que vais deixar aí a tua chave
E vais à cave içar o teu malão.

Mas como destrinçar os nossos bens?
Que livro? Que lembranças? Que papel?
Os meus olhos, bem vês, és tu que os tens.
Não te devolvo – é minha – a tua pele.

Achei ali um sonho muito velho,
Não sei se o queres levar, já está no fio.
E o teu casaco roto, aquele vermelho
Que eu costumo vestir quando está frio?

E a planta que eu comprei e tu regavas?
E o sol que dá no quarto de manhã?
É meu o teu cachorro que eu tratava?
É teu o meu canteiro de hortelã?

A qual de nós pertence este destino?
Este beijo era meu? Ou já não era?
E o que faço das praias que não vimos?
Das marés que estão lá à nossa espera?

Dividimos ao meio as madrugadas?
E a falésia das tardes de Novembro?
E as sonatas que ouvimos de mãos dadas?
De quem é esta briga? Não me lembro.

Rosa Lobato de Faria

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

A TODAS AS MENINAS TRISTES QUE CONHECI E ÀS QUE NÃO CONHECENDO SEI QUE EXISTEM

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Fotografia / Sentidamente
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MENINA TRISTE
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Vai menina!
Corre atrás da borboleta…
Defende o teu sonho assim:
Escondendo-te a chorar,
Entre as flores dum jardim,
Entre as árvores dum pomar.

Vai menina!
Corre atrás da borboleta…
Usa a tua fantasia.
Com ela vais enganar,
As mágoas do dia a dia,
Que não devias penar.

Vai menina!
Corre atrás da borboleta…
No bibe branco bordado,
A história da carochinha.
Um encanto ultrapassado,
Nessa tua cabecinha.

Vai menina!
Corre atrás da borboleta…
Tua roupa em desalinho,
Pareces voar também.
Na procura de carinho,
Reinventas pai e mãe.

Vai menina!
Corre atrás da borboleta…
Teu coração apertado,
Tanta angústia já sentida!
Tudo isso será passado,
À frente tens uma vida.

Jesus Varela

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sábado, 4 de setembro de 2010

LOUVOR À NATUREZA

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Fotografias / Sentidamente

Na enormidade dum momento
está inequivocamente escrito
todo o saber eterno e infinito.

No sopro imparável do vento!
Na tempestade acesa em guerra!
Na vaga indomável de enxurrada!
Nos rastejantes raios da trovoada!
No súbito e irado revolver da terra…

No equilíbrio tão doce quanto ameno,
vida a sorrir, em dia primaveril.
E na seca amplitude, o Verão febril
guardando no mar e céu, o azul sereno.
Melancólico o Outono mostra ainda
vagos sorrisos em tons amarelados.
Anúncio dos dias tristes e molhados,
dum Inverno que prepara a sua vinda…

E o homem nasce, cresce, vive e morre,
neste permanente cenário onde é actor.
Imprime marcas cultivando ódio e amor.
Mas indiferente, o tempo sempre corre!

Toada… cheiro… cor… luminosidade.
Inexplicável força… poder… grandeza.
Obra sublime é essa tua! Oh Natureza!
Único e absoluto domínio da verdade
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Jesus Varela

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

VISLUMBRE

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Fotografia / Sentidamente
NA OUTRA MARGEM

Atravessei o rio e foi além,
onde sempre cultivei os sonhos,
que ancorei o pensamento…

Meu cais das chegadas e partidas,
entre rostos uniformes e ausentes,
Iguais, num monótono rotinar,
gastando passos sobre passos,
para aquém das próprias vidas!
A pressa, vai ditando o dia a dia…
Fluxo de tempo a passar sem ser sentido,
como as águas do rio que vão correndo
sempre, num caminho já sabido…

Sentada num banco frente ao rio,
revivi um momento que já foi,
alheada de tudo o que mais há,
consciente que a hora era de sonho,
esquecida de mim, agitei asas
e fui ave, e voei, e planei,
lá bem para trás! Leve, com o vento…
Entre as nuvens que passavam,
vi, o sorrir dum olhar vago.
Na névoa cor de rosa,
Reconheci uma face que morreu…

Um lugar é sempre o mesmo,
E aquele é sempre o meu!

Jesus Varela

sábado, 14 de agosto de 2010

PERCURSOS

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Fotografias / Sentidamente

No alvorecer de cada aurora,
há uma esperança que chega,
no bico duma andorinha.

Em cada nova Primavera,
ressoam cânticos verdes
nos desatentos olhares diurnos.
E nas noites de insónia,
descansa nas estrelas
o sentido de todas as direcções.

Neste rodar de noites e dias,
de Primaveras e Invernos,
situo todas as promessas de prazeres
e afundo todos os infernos.

Jesus Varela

domingo, 8 de agosto de 2010

ÊXTASE

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Fotografia / Sentidamente

Foi por veredas e carreiros
que atingi esta falésia.

Pequena sou:
Perante a imensidão do mar;
frente à luta das ondas;
face ao persistente muralhar…

Pequenez que me inibe e atropela.
Numa insegurança de noite sem luar.

Jesus Varela

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domingo, 1 de agosto de 2010

ESCURIDÃO

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Fotografias / Sentidamente
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Há muito que o sol se foi!
Deixei-me ficar pacientemente
a receber o ténue calor da lua…

Quanto à luz, não me importei.
Ela era mais nobre, mais doce e discreta…

Distraída, deixei que uma nuvem tapasse o luar
e esqueci-me de acender uma vela.
Não pedi mais luz, não procurei mais calor.
E os olhos cerraram-se no escuro.
E os sentidos sumiram-se tiritando.

Sol… Lua… Nuvem…Vela…
Que importa?
Quando tanto é já passado
e quanto ficou perdido,
não mais será recuperado!

Jesus Varela

sábado, 24 de julho de 2010

AS CORES

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Fotografias / Sentidamente

As cores,
em claros e escuros
e em idas e voltas,
deixam rasto
no fluir dos meus sentimentos:
Pelas mais coloridas,
captadas das flores,
Ficam os mais gratificantes,
a clamar de impotência,
ao lado dos que vestidos
de negros nocturnos,
se instalaram e riem
em prepotentes gargalhadas.

Jesus Varela


domingo, 18 de julho de 2010

OS NOSSOS “OUTROS”

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Fotografia / Sentidamente

Que bom!
O sabor duns braços abertos,
sempre à nossa espera,
Na longa viagem ou na breve ausência.

Que bom!
A certeza dum sorriso solidário,
quando o nosso sol se toldou
à sombra de nuvem negra e pesada,
ou dum sorriso cúmplice, repleto de dádiva,
no momento da carência adivinhada.

Que bom!
Sentirmos a presença do consolo,
mesmo silencioso, nas horas desesperadas,
quando recolhemos pedaços dos cristais,
deixados estilhaçar por incúria!

Que bom!
Estarmos juntos na festa da vida,
quando viver é beber a taça transbordante
de elixir, na alegria e na felicidade!

Que bom!
Coexistirmos,
na reciprocidade do entendimento,
da vivência partilhada e do amor!

Também queria estar lá.

Jesus Varela

segunda-feira, 12 de julho de 2010

ATÉ QUE UM DIA

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Fotografias / Sentidamente

Meus versos eram rosas, lírios, heras,
borboletas, regatos, cotovias
cantando suas doces melodias,
anjos, sereias, ninfas e quimeras.

Meus versos eram pombas entre as feras
e, na festa das horas e dos dias,
ia dançando penas e alegrias
e o ano tinha quatro primaveras.

E a festa continua... é também festa
o cardo e a urze, o tojo, a murta, a giesta,
a chuva no beiral, o vento Norte,
o gosto a mar, a lágrimas, a sal,

até que um dia a vida, a bem ou mal,
exausta de cantar me empreste à morte."

Fernanda de Castro, in «E Eu, Saudosa, Saudosa»
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sábado, 3 de julho de 2010

MAGIA

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Fotografia /Sentidamente
O dia clareava na sombra macia.
Circunstância, eternamente renovada…

Os aromas matinais,
Entraram no roseiral sorrindo.
A rosa vermelha, novelo tímido
de aveludadas pétalas,
foi-se abrindo…
E o fio de manhãzinha, ficou lindo!

O luar, em dobras finas,
embrulhou restos tardios.

Era o princípio e fim de tudo…

Oh! Quando a vida é mágica
Tem um sentido de coisa derradeira
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Jesus Varela

domingo, 27 de junho de 2010

BALANÇO

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Julian Schnabel - Portrait of. jacqueline, 1984 (pormenor)- Óleo, cerâmica e cola)
Colecção Berardo
Fotografia / Sentidamente

Tantas vezes me perdi sem labirinto.
Tantas outras, sem bússola me encontrei.
Tanto sim ouvi, nítido e distinto.
A morrer em não, porque os desgastei.

Confiei segredos, à tarde serena.
Devolveu-mos ela, espalhados no vento.
Fui regato fresco, cantando em avena
e fui leito seco, em caminhar lento.
Soprei mil pétalas em imaginário rosto,
desejando manhãs sem madrugadas.
Afastei as sombras rubras ao sol posto
e amei noites, de estrelas pontilhadas.
Carreguei sobre os ombros tanto peso!
Sucumbi aos arranhões de tanta garra!
Mas alcandorei castelos, inventei defeso.
Teci loucos sonhos de beleza rara…

Lutas que perdi… guerras que ganhei,
são ela por ela, igual o resultado.

Prende-me à vida, aquilo que não sei.
Esperança, num amanhã ignorado.

Jesus Varela


domingo, 20 de junho de 2010

NA PENUMBRA DA PARTIDA

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Fotografia / Semtidamente

Declaraçao

Não, não há morte.
Nem esta pedra é morta,
Nem morto está o fruto que tombou:
Dá-lhes vida o abraço dos meus dedos,
Respiram na cadência do meu sangue,
Do bafo que os tocou.
Também um dia, quando esta mão secar,
Na memória doutra mão perdurará,
Como a boca guardará caladamente
O sabor das bocas que beijou.

José Saramago

quinta-feira, 10 de junho de 2010

DESENCONTROS DE AMOR

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Fotografia / Setidamente

Colhi-vos para mim, molho de lírios!
Sentis, com que infinito carinho
vos transporto nos meus braços?

Chorais! Ou são gotas de orvalho?
Porque murchais, junto ao meu coração?
Suspirais pelo vazio do vosso chão?

Mas vede: não é por mal que o faço!
Só por amor vos carrego.
Não sentis o meu abraço?

Jesus Varela

sábado, 5 de junho de 2010

QUIMERA

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Fotografia / Sentidamente

Eu quis um violino no telhado
e uma arara exótica no banho.
Eu quis uma toalha de brocado
e um pavão real do meu tamanho.
Eu quis todos os cheiros do pecado
e toda a santidade que não tenho.
Eu quis uma pintura aos pés da cama
infinita de azul e perspectiva.
Eu quis ouvir a história de Mira Burana
na hora da orgia prometida.
Eu quis uma opulência de sultana
e a miséria amarga da mendiga.
Eu quis um vinho feito de medronho
de veneno, de beijos, de suspiros.
Eu quis a morte de viver dum sonho
eu quis a sorte de morrer dum tiro.
Eu quis chorar por ti durante o sono
eu quis ao acordar fugir contigo.
Mas tudo o que é excessivo é muito pouco.
Por isso fiquei só, com o meu corpo


Rosa Lobato de Faria

sábado, 29 de maio de 2010

VIGÍLIA

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Fotografias / Sentidamente (O mesmo local, o mesmo findar do dia. Só alguns minutos, separam os dois registos).

Veio o entardecer! O Sol ao sair
para lá da linha do horizonte,
deixou ainda no rasto do seu ir,
nuvem doirada, em forma de bisonte…

Avoluma-se a solidão dos grandes nadas.
Guardados em espaços reduzidos.
Vêm de longe, risos e gargalhadas,
cruéis, ferir-me o silêncio dos ouvidos
e quebrar a paz das horas desejadas.

Depois do desgaste de tantas emoções,
resto, a retorcer as mãos fechadas.
Impotente, caminho aos tropeções,
querendo ainda, alisar cadeias enleadas
e escancarar todos os portões…

Do relógio, arrasto na noite a lentidão!
Insone, leio no balanço onde me afundo:
o lento gastar do tempo em progressão;
a inutilidade da passagem neste mundo.
Tudo o que foi promessa, hoje é negação!
Estou cansada de ruínas sem sentido!
Farta de lutar por tudo e não ter nada...

Novo dia, dentro em pouco já vem vindo.
Soçobro no fruir de mais uma madrugada!

Jesus Varela

sábado, 22 de maio de 2010

QUEM DERRAMOU OIRO PELO DIA?

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Fotografias / Sentidamente
Quem derramou oiro pelo dia?

Tão luminoso, docemente brilha!
Temperando de sentimento a nostalgia.
Encarnação em pura maravilha!...

Oiro nas árvores, desfolhadas, quase nuas.
No chão, em securas e dormências,
e nas pisadas, pedras das ruas,
despertando o embalo de cadências!

Oiro com brilho de acalentar sonho.
Encantamento tal, torna a alma leve!

Oiro roubado, a um qualquer dono.
Mas confiante, nada teme e nada deve!

Oiro a nimbar os sentimentos.
A ditar a paixão e o amor sereno.
Oiro derramado por breves momentos,
sobre toda a terra, num pairar ameno.

Oiro em que embrulho segredos
e sem cobiça, retenho e emalo.
Oiro macio, recolhido entre os dedos.
Afundado na alma, onde quero guardá-lo!

Jesus Varela