sábado, 30 de julho de 2011

NOCTIVAGO

.
Fotografia /Sentidamente


Pela janela aberta,
insinua-se o escuro da noite.
Precipitam-se sons das ausências.
As vidraças suam humidades tristes.

Reina silêncio perfumado
pelo brilho cadente das estrelas,
pelo mítico pretear da lua,
pela ténue claridade do candieiro
preso na esquina da rua.

As flores, recolhem pétalas
e sacodem voláteis aromas
a saturar o ar adormecido.

Aberta, a janela fita-me!
Apelo solidário,
oração extasiada
à deusa que habita a noite.

Jesus Varela


domingo, 24 de julho de 2011

SOU

. Sou:
Mar promissor.
Grito de gaivota.
Sussurro de brisa.
Cheiro a maresia.

................Esperança que chega
................ao nascer do dia…




Sou:
No voar da ave
o espraiar da tarde.
Paciência de praia
a receber ondas.
Mistério insondável.
Horizonte profundo.

..................Flamejante por do Sol
..................
em dia moribundo…

Sou:
O ontem no hoje.
O dentro e o fora.
Saudade e lembrança.
Hora e desora.
Magia da dança.
As pontas e o laço.
Urgência de vida.
Apressar de passo.
................Na contradição
................infinito abraço...


Sou:


Saber acrescentado.


Riqueza vivida.


Caminhada longa.


Futuro escasso.


..................No escoar do tempo
..................aperta-se-me o espaço?


Jesus Varela




Fotografias / Sentidamente

terça-feira, 19 de julho de 2011

ENTRE CRENÇA E CEPTICISMO



Fotografias / Sentidamente

Amo e derramo-me,

neste amar desordenado,

crendo que no fundo do lago,

a transparência ainda me mostra,

manhãs e madrugdas por abrir...


Mas sentindo o lodo toldar a nitidez,

com que te miro, ó fundo!

Balanço na incerteza

e desgosto a pobreza dos grandes espaços,

tão vazios de sentimentos...

Jesus Varela


quinta-feira, 14 de julho de 2011

NA HORA DO SILÊNCIO

.
Fotografias / Sentidamente


Na hora do silêncio,
a manhã passa indiferente…


Seguramente,
não há mais do que manhã…

Na hora do silêncio,
o murmúrio da água
é uma certeza…

Seguramente,
evola-se música da natureza…

Na hora do silêncio,
as vozes humanas perdem-se,
na distância dos entendimentos…

Seguramente,
a solidão afunda-se nos silêncios…

Na hora do silêncio,
o arbusto florido
espalha aromas no ar…

Seguramente,
os sentidos não morrem,
na hora do silêncio…

Jesus Varela

sábado, 2 de julho de 2011

MIA COUTO

. Fotografia /Sentidamente


A CASA

Sei dos filhos
pelo modo como ocupam a casa:
uns buscam os recantos,
outros existem à janela.

A uns satisfaz uma sombra,
a outros nem o mundo basta.
Uns batem com a porta,
outros hesitam como se não houvesse saída.

Raras vezes sou pai.
Sou sempre todos os meus filhos,
sou a mão indecisa no fecho,
sou a noite passada entre relógio e escuro.

Em mim ecoa a voz
que, à entrada, se anuncia: cheguei!
E eu sorrio, de resposta: chegou?
Mas se nunca ninguém partiu…

E tanto em mim
demoram as esperas
que me fui trocando por soalho
e me converti em sonolenta janela.

Agora, eu mesmo sou a casa,
casa infatigável casa
a que meus filhos
eternamente regressam.

Mia Couto